O topônimo CAPIVARI figura pela primeira vez, nos documentos cartográficos de São Paulo, num velho roteiro existente no Arquivo Geral das Índias, de Sevilha, na Espanha, datado de 1628, e da lavra do então Capitão-General do Paraguai, D. Luís de Céspedes y Xérea.
Esse roteiro, que na frase de Affonso de Taunay “é o primeiro documento da nomenclatura geográfica do planalto”, tem a sua origem vinculada à histórica proclamação de Thomar, em 1581, na qual uniram, sob a coroa de Felipe II, os territórios metropolitanos e ultramarinos de Espanha e Portugal.
Os dois países ficavam, desta forma, às mãos de um mesmo principe, aparentemente confundidos num único Estado, e Portugal adquiriu, de pronto, como próprios, todos os inimigos de Castela.
Essa situação teve seu reflexo no Brasil, e a invasão do nordeste brasileiro pelos batavos foi consequência da unidade política perfilhada em Thomar.
Por volta de 1628, as bandeiras cruzavam os sertões em todas as direções, fincando por toda parte os marcos da soberania portuguesa e destruindo os padrões espanhóis plantados nesses territórios.
Não percebendo, assim, de boa sombra, os paulistas, a iniciativa de D. Céspedes, desagradados com semelhante intromissão do castelhano em seus caminhos domésticos. Aquilo lhes cheirava a espionagem do espanhol petulante e molesto. E não lhe esconderam o azedume que a sua presença provocava na cidade paulistana, pelo que tratou ele de safar-se o mais depressa que pode daquela “má terra de São Paulo”,
Deixando São Paulo, o fidalgo castelhano dirigiu-se ao lugar onde os bandeirantes costumavam embarcar para suas viagens fluviais Tieté abaixo, e que ficava além de um grande salto, possivel mente no ponto em que mais tarde se estabeleceu o povoado de Araritaguaba, hoje a cidade de Porto Feliz.
Ilustrando a sua Memória com um pitoresco mapa colorido, onde registra a viagem desde São Paulo até o Guairá, D. Céspedes traçou assim o primeiro esboço geográfico que se conhece da menclatura do planalto paulista, pois em seu desenho, que o emi nente historiador Affonso Taunay fez copiar ao Arquivo de Sevilha para a mapoteca do Museu Paulista, estão descritos os principais acidentes topográficos do Tietê ao Paraná, alguns com a denomina ção que até hoje conservam.
E no seu mapa, feito em 1628, vamos encontrar, como afluente da margem direita do rio histórico que ele navegava, a designação que nos interessa: “CAPIVARY, rio de las capibaras…”.
É, pois, indiscutível, que já a esse tempo o rio Capivari, exata mente com a designação atual, era conhecido dos paulistanos, que o haviam incursionado barra-acima. E o nome que lhe deram os indi genas – rio das capivaras -, resultante da abundância de capivaras nos terrenos marginais a esta via fluvial, fixou-se sem dúvida alguma nos primeiros tempos da navegação do rio Tietê e da exploração destas paragens pelos sertanistas de Piratininga, que o tomaram aos selvícolas, habitantes da região.
POVOAMENTO
A povoação de Capivari, à margem direita do rio deste nome, resultou, remotamente, da abertura, pelas autoridades coloniais, da estrada que estabeleceu comunicação entre a Vila de Itu e o salto de Piracicaba, no primeiro quartel do Século XVIII.
Foi precisamente cem anos depois da vinda de D. Luis de Céspedes y Xérea, ou seja, em 1728, que se concedeu a Manoel de Castelo Branco uma sesmaria de “légua e meia de terras em quadra no caminho e sertão de Piracicaba”, porque ele “tinha feito suas rocas de uma e outra parte do rio Capivari sem constrangimento de pessoa alguma, havia três para quatro anos”. O caminho de Piracicaba, referido na sesmaria de Castelo Branco, é uma picada que fora aberta entre Itu e Piracicaba em 1723, a mando do então Capitão-General de São Paulo, D. Rodrigo César de Menezes.
Foi isto no tempo de ouro, o famoso ouro cuiabano que, na expressão cáustica de Oliveira Martins, passara pela boca ávida da coroa lusitana para cair nas profundezas insondáveis do estômago da Inglaterra.
Com a descoberta das catas auríferas de Cuiabá, em 1718, pelos bandeirantes Pascoal Moreira Cabral, João Antunes Maciel, Miguel Sutil e outros, intensificou-se extraordinariamente a navegação pelo Tietê, entre Porto Feliz e Cuiabá. O rio era a estrada aberta para o esplêndido Eldorado. Os sertanistas desciam o Tietê até a barra do rio Pardo, subiam este afluente até o Anhanduí, alcançavam rio acima o varadouro por terra, pelo qual se trans portavam para o rio Aquidauana, desciam o Aquidauana até o Paraguai, subiam por estas águas até o rio Cuiabá e por este atingiam, finalmente, após penosíssima viagem fluvial, as tão cobiça das lavras de Mato Grosso.
Grandes comboios, transportando levas e levas de aventureiros intemeratos, seguiam intermináveis pela estrada líquida, meses e meses a fio, em direitura às terras afortunadas do ser tão matogrossense.
A caminhada para oeste, que duzentos anos depois haveria de interessar novamente ao povo brasileiro num sentido muito mais amplo, empolgara, nesse tempo, as atenções de todo o sul do Brasil, e pode-se dizer, como bem o frisou Washington Luís, que o ouro de Cuiabá foi o agente decisivo da incorporação ao Brasil do território de Mato Grosso, onde podem viver com folga cem milhões de criaturas
O descobrimento das lavras de Mato Grosso fez com que D. João V desse maior importância à Capitania Paulista, sendo decretada a separação administrativa da de Minas Gerais, por alvará de 2 de dezembro de 1720, medida inegavelmente determinada a repercutir favoravelmente no ulterior desenvolvimento de São Paulo, uma vez que lhe restituiu a sua autonomia política.
O caminho de Cuiabá era, como não podia deixar de ser, o objetivo por excelência dos cuidados do governo. Todavia, a viagem pelos rios, como se vê, tornava demorada e dificultosa a remessa de aprovisionamento para os trabalhadores das minas, pelo que se fazia necessário um caminho terrestre, pelo qual se evitassem também as paragens pestiferas de Avanhandava e do Pantanal.
Projetou-se, desta forma, uma estrada de Itu ao salto de Piracicaba, e deste ponto ao Rio Grande, pelos campos de Araraquara, mais ou menos em rumo paralelo ao Tietê.
O caminho de Cuiabá, obra gigantesca que dá bem uma ideia do valor daqueles intrépidos sertanistas, no trecho compreendido entre Itu e Piracicaba, cruzava as terras do sertão de Capivari, trans pondo o rio mais ou menos no local denominado Itapeva, distante cerca de seis quilômetros da atual cidade de Capivari.
A PRIMEIRA VENDA
Em 1784 o Capitão André de Sampaio Botelho, juntamente com o Guarda Mor Joaquim Barbosa da Silva e Manoel da Silva Cola res, obteve do Capitão General de São Paulo, Francisco da Cunha Menezes, uma carta de sesmaria na qual lhes eram concedidas as terras devolui “distantes sete léguas de Itu, entre as estradas que vêm daquela Vila para a povoação de Piracicaba e Freguesia de Campinas, mais ou menos em meio”, porque eles delas necessitavam “duas léguas em quadra”, pois “tinham matos”, devendo a sua demarcação “fazer centro ou pião no ribeirão de Capivari sobre um salto, correndo o rio abaixo uma légua e rio acima outra legua”.
Esse salto, a que se refere a sesmaria do Capitão Botelho, é evidentemente o que se encontra na fazenda denominada Cachoeirinha, hoje São Bento, e as terras do citado povoador abrangiam os terrenos ora pertencentes à Usina São Francisco e sitiantes vizinhos. Era a paragem chamada do Capivari, bairro da Vila de Itu, exatamente o lugar em que veio a formar o povoado capivariano, alguns anos mais tarde.
Em 1785, Francisco Idorgo, de Itu, encaminhou à Câmara da quela Vila uma petição, na qual declarava que “ele suplicante quer por uma venda pública na paragem chamada Capivari, e como não pode fazer sem licença de V. Mercè, somando também o ramo de “cachaça”, vinha solicitar a autorização legal, apresentando Francisco Pacheco para seu fiador.
Esse pequeno negócio, origem de outros que no mesmo local se estabeleceram sucessivamente até nossos dias, foi de capital importância para a localização do povoado, pois a cidade tivera seu começo junto à importante fazenda do Itapeva, do Padre Oliveira Bueno, o que não se consumou em virtude de mudança da estrada para o ponto da venda de Chico Idorgo, onde ela, afinal, se fixou definitivamente.
Os viajantes deixavam a estrada na altura do Itapeva, vinham à venda do Chico, onde passavam a noite e descansavam as montarias, e no dia seguinte voltavam a retomar o caminho para pros seguimento da viagem. Com o andar do tempo, construiu-se nova ponte, na baixada próxima à venda, e a estrada transferiu-se para o traçado que se confundiria depois com a atual rua XV de Novembro de Capivari.
A FAZENDA ITAPEVA
A cidade de Capivari quase que se localizou no Itapeva, junto à fazenda deste nome, em virtude não só de ser aquele ponto lugar de trânsito obrigatório por causa da ponte sobre o Capivari, como pela influência que desfrutava na região o Padre João Ferreira de Oliveira Bueno, fundador dessa propriedade agrícola.
O Padre Ferreira pertencia a uma das famílias mais poderosas da Capitania. Seu pai, português de nascimento, era comerciante de enorme fortuna, estabelecido em Santos, onde negociava em larga escala, mantendo navios cargueiros navegando por sua conta entre a Metrópole e os portos da colônia.
Em 1795, atraído, como os demais moradores de Itu e Porto Feliz, pela fama das terras capivarianas, tirou também carta de sesmaria neste sertão, entrando na posse das terras que ficavam à “esquerda da estrada que segue para a povoação de Piracicaba”, tendo o “ponto central ou pião” na barra do córrego Itapeva “que deságua e vai ter ao rio Capivari”.
A beleza do sertão capivariano fez época na Capitania. À mataria cerrada e imponente, de madeiras de lei, que lhe vestiam as terras, aos campos de capim mimoso e felpudo, à fauna que lhe animava as florestas, às macegas, aos banhados e ribeirões, juntava-se o ar seco e diáfano, leve e puro, onde a luz se apresentava com uma fulguração desconhecida nos demais recantos de São Paulo.
Com escravatura de talento, escolhida a dedo nas feiras do Valongo, o padre sesmeiro promoveu a fundação de grande e poderosa fazenda canavieira, sob a invocação de São João Batista de Itapeva. Com as pedras existentes nos arredores foram construídos o açude, a casa do engenho, as senzalas, a pavimentação dos estábulos, os muros da horta, dos pomares, as calçadas, o embarcadouro no Capivari; ao lado da casa-grande, feita de grossas paredes de taipa socada, com a dupla finalidade de proteger do calor solar no verão, e do frio, no inverno, edificou-se a capelinha do Itapeva, única que existiu em Capivari até agosto de 1820.
A CAPELA
A criação da Bairro Capivari, cujo arraial, estrada Itu-Piracicaba, ia em franco desenvolvimento, tornava-se objeto maior urgência necessidade, nada sem assistência eclesiástica,
Orientados pelo Padre Ferreira Bueno, que essa altura constitula, capitania, grande força politica ascensão, radores dirigiram-se, petição, ao Bispo São Paulo, solicitando aquela providência, 5 junho na seguinte:
“D. Mateus de Abreu Pereira, mercê de Deus da Santa Se Apostólica, Bispo São Paulo, Conselho Sua Majestade Fidelissima, fazemos saber que atendendo boas qualidades reverendo João Jacinto dos Serafins, Presbítero Secular, havemos por bem nomeá-lo por tempo um ano, se antes não mandarmos o contrário, Capelão Curado, toda a autoridade paroquial Capela de São João Batista Capivari deste Bispado lhe concede mos faculdade para administrar os Sacramentos dependência dos Reverendos…”.
O Padre Serafins, em julho desse mesmo após diligenciar em São Paulo os paramentos alfaias indispensáveis prática do culto na capela que inaugurar, encetou, cavalo, rude e estafante caminhada para Itu, rumo sua distante paróquia de Capivari.
A povoação um da Itu, distribuídas em sentidos junto à encruzi formada porta venda, na ladeira rio. um esboço pouco definido do que seriam mais tarde rua XV de Novembro e rua Antonio Pires.
A criação capela da esperança dos povoadores formar em Capivari uma nova célula municipal, sob invocação de João Batista. Instala da capelinha, lançada estava semente da nova sede urbana, pois a presença do Padre era um começo de autonomia e um estímulo ao progresso das edificações. A construção, de taipa socada, consistia apenas em um compartimento simples e modesto de forma retangular, com um pequeno altar de madeira, ao fundo. No pátio levantava-se o cruzeiro, de madeira lavrada. Os mortos eram sepultados segundo a sua categoria social: os brancos, no interior do templo; os escravos e indigentes, no pátio da capela.
Os fazendeiros, contudo, ainda por muitos anos, não se sepultaram em Capivari; eram transportados em redes para Itu ou Porto Feliz, em cujas igrejas ou cemitérios eram seus corpos inumados, “por disposição de última vontade”. Assim aconteceu com quase todos os fundadores de Capivari.
A INDEPENDENCIA NACIONAL
O contato permanente que os povoadores capivarianos mantinham com a Vila de Itu, quer frequentando-lhe as festividades religiosas, os acontecimentos sociais de maior relevo, os incidentes políticos de certo vulto, quer comparecendo às convocações das ordenanças, a que estavam obrigados, como cidadãos daquele distrito, fazia com que eles realmente participassem da vida social e pública da heroica e lendária terra ituana.
Foi assim que, por ocasião da proclamação do Ipiranga, a 7 de setembro de 1822, convocados pela Câmara Municipal de Itu, os povoadores capivarianos se apresentaram naquela Vila a fim de jurar fidelidade ao Príncipe D. Pedro e à nova ordem de coisas por ele instituída no Brasil – a Independência Nacional.
A 12 de outubro desse mesmo ano de 1822, no Paço da Câmara, presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como a totalidade da fidalguia ituana, procedeu-se ao solene juramento de fidelidade à Pátria, que despontava, soberana, ao cabo de três séculos de sujeição à Corte Ultramarina.
E esse fato, da solidariedade dos fundadores capivarianos à proclamação do Ipiranga e ao Principe D. Pedro, comprova, quando nada, que nos sertões de Capivari não palpitava apenas a febre do desbravamento e da colonização; não subia apenas para o azul a fu marada pardo-escura das queimadas e das chaminés em plena atividade laboriosa-mas também crescia e prosperava, à luz faiscante de seus sóis e à magia de seus luares, um povo consciente de sua personalidade política, integrado, de corpo e alma, no amálgama de nossa nascente nacionalista.
O ARRUAMENTO
O pequeno arraial, sob a direção espiritual do Padre João Jacinto dos Serafins, apresentava perspectivas promissoras de rápido e vigoroso florescimento.
Os recém-chegados de Itu e Porto Feliz eram cada vez mais numerosos, multiplicando-se, como cogumelos, os casebres de pau -a-pique, as cabanas de palmito, as “moradas de casas” de taipas, espalhadas atabalhoadamente pela suave colina que margeia o rio e pela ampla várzea em que ele movimenta as suas águas vagarosas.
A anarquia que se manifestava nessa verdadeira invasão de ádvenas aos terrenos livres da capela alarmou, de pronto, os maiores da povoação, que cuidaram imediatamente de impedir a continuação daquele estado de coisas, instituindo e disciplinando o loteamento e a concessão das glebas urbanas.
Antonio Pires de Almeida e Joaquim Garcia foram os promotores desse movimento que, entendendo-se com o Cônego João Ferreira Bueno e outros moradores do lugar, requereram a criação da freguesia de São João Batista de Capivari e trataram de impedir o prosseguimento daquela lufa-lufa no retalhamento das terras destinadas à formação da cidade. Requereram, concomitantemente, à Câmara de Itu, a designação de Juízes Almotacés para Capivari e o arruamento do arraial. Esta, uma notável providência, graças à qual Capivari, apesar de cidade antiga, dispõe de ruas largas e simetricamente dispostas.
A Câmara de Itu deferiu o pedido dos povoadores e, a 4 de julho de 1825, veio ao bairro de Capivari promover o arruamento da capela.
Nessa ocasião, assessorados pelo Ouvidor de Itu, Joaquim Ma. noel Pacheco da Fonseca, que foi hóspede de Antonio Pires, de quem era muito amigo, reunidos nas imediações da casa aludida, após a vistoria do terreno do arraial, decidiram pelo planejamento da futura cidade de Capivari, registrado em “Auto de Arruamento da Freguesia de Capivari de Baixo Procedido pela Câmara da Vila de Itu” (o Auto trazia, por engano, a palavra Freguesia, coisa que Capivari ainda não fora elevada):
“Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oito centos e vinte e cinco, quarto da Independência e do Império, aos quatro dias do mês de julho do dito ato, nesta freguesia de Capiva ri debaixo, Termo da Vila de Itu, onde foi finda a Câmara da dita Vila a requerimento de seus moradores deste lugar para o efeito de se proceder ao arruamento. E sendo presente os abaixo assinados, entraram em concerto sobre a melhor forma de proceder e unani memente foi acordado marcarem-se as ruas todas de 60 palmos, tanto no comprido como as travessas, e servir de baliza a rua que quase se acha cheia de casas, cuja rua é imediata ao rio Capivari, e fica de Leste a Oeste, a qual foi dividida em quatro partes para terem saída até o rio, sendo a primeira e segunda partes de 40 braços, a terceira de 45 em razão de nesta parte acharem-se algumas casas já acabadas, além de que nestes lugares oferece o rio em suas margens melhores portos, e finalmente a quarta parte de 40 braços como as duas primeiras. E desta dita rua, seguindo de sul a norte, ficam marcados dois quarteirões de 40 braços, ficando as ruas como fica dito de 60 palmos, formando três ruas paralelas; assim acorda ram mais em dirigir uma rua de Sul a Norte pela parte oriental da povoação, para servir de baliza, assim como outra já demarcada com trés quarteirões de 40 braços cada um por assim deverem ser todos os quarteirões já demarcados, e que se seguirem, exceto o 3º, pelas razões acima ditas.
Examinando-se o melhor terreno que se deve deixar devoluto para fundar-se a nova Igreja, concordaram em deixar-se dois quarteirões um para pátio e outro para a igreja, no lugar em que ficam de Leste a Oeste, 2° e 3°, cuja demarcação fica encarregada aos senhores Juízes Almotacés a mandarem fazer logo com madeiras de lei e deverão ser reservados para os fins acima ditos. Logo foi assentado que pessoa alguma não possa edificar casas e nem cercar terrenos algum no rocio desta freguesia sem concessão da Câmara com a pena de perdimento do lugar e pagar seis mil réis para as Obras Públicas. Atendendo à distância desta Freguesia à Vila de Itu, assentaram que os senhores Juízes Almotacés recebam petições dos pretendentes para as remeterem à Câmara daquela Vila já informados para não depender senão de despacho. Foi assentado que as casas que não se acham no alinhamento demarcado ou por demarcar, e estiverem ainda em principio, sem coberta, não poderão continuar sem chegarem-se ao alinhamento e o poderão fazer nos competentes lugares sem concessão da Câ mara, contentando-se eles com igual terreno ao que perdem. Para tudo constar, mandaram lavrar o presente auto em que se assina a Câmara com todos os presentes. Eu, Joaquim Pinto de Arruda, Escrivão, a escrevi. Antonio Paes de Barros, Pte., Bernardino José de Sena Motta – Vereador, Joaquim Manoel Pacheco da Fonseca – Vereador, Lourenço de Almeida Leite – Vereador, Joaquim da Costa Garcia – Juiz Almotacé, Antonio Pires de Almeida Moura – Juiz Al motacé, Antonio Luiz Penalva – Arruador, Manoel José Vaz Botelho – Sargento-Mor, Manoel José de Almeida Leme – Capitão, Manoel José Machado – Alferes, Pedro Ferraz de Arruda, José Ferraz de Ar ruda, Manoel de Melo Almada, Manoel José do Amaral, Antonio José Fiúza Felisberto Gonçalves Teixeira, Pedro Luiz de Godói, Es tanislau de Campos e Arruda, Antonio Vieira da Silva Bueno.”
A FREGUESIA
Ao arruamento da Capela, seguiu-se, um ano depois, a elevação do arraial a Freguesia, para o que muito concorreu a ajuda do Co nego Joto Ferreira de Oliveira Bueno, a esse tempo Tesoureiro-Mor da Catedral de São Paulo. Foi a 11 de outubro de 1826 que D. Pedro I sancionou o Decreto de elevação:
“Eu, o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Império do Brasil, faço saber que atendendo ao requerimento do Doutor Tesoureiro-Mor da Catedral de São Paulo João Ferreira de Oliveira Bueno, e mais moradores do bairro do Capivari, nas extremidades das freguesias de Itu, Porto Feliz e Piracicaba, daquele bispado e que me pediram ereção de uma nova freguesia naquele distrito, com o orago de São João Batista de Capivari, sobre o que informou o Reverendo Bispo que então era do dito Bispado, e responderam os procuradores gerais das Ordens e da Coroa e Fazenda, que tudo subiu a consulta do Mês de Consciência e Ordem – hei por bem que seja ereta uma nova freguesia no referido distrito com o Orago de São João Batista de Capivari do Bispado de São Paulo, sendo os limites desta nova freguesia o morro da Boa Vista, que de Itu segue para Piracicaba, até o córrego das Palmeiras e deste em linha reta até o ribeirão do Itapeva e deste até o rio Pirapora, e o Reverendo Cabido de São Paulo promoverá a edificação da igreja para esta nova freguesia que os povos se obrigam a edificar dentro de dois anos, como certificou o dito Reverendo Bispo, quando informou a este respeito, e procederá logo ao concurso dela para ser provido de pároco colado.
Este cumprirá sendo passado pela Chancelaria das Ordens e valerá como certo, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano sem embargo de ordenação em contrário, sendo registrada nos livros da nova freguesia e das que com ela confinarem.
Rio de Janeiro, onze de outubro de mil oitocentos e vinte e seis, 5º. da Independência e do Império. Assinado: IMPERADOR.”
Elevada a Freguesia, foi Capivari transferida para a jurisdição portofelicense, como haviam requerido os seus moradores. O Padre João Jacinto dos Serafins, primeiro Capelão do arraial, foi substituído, em 1826, pelo Padre Inácio Francisco de Morais. De 1820 a 1833, data da instalação do município, sucederam-se na direção da paróquia capivariana os sacerdotes; 1820-1825- Padre João Jacinto dos Serafins; 1826 – Padre Inácio Francisco de Morais; 1827-1828 Padre Menchior de Pontes e Amaral; 1829-1833 – Padre Antonio Luiz Penalva.
O Padre Penalva foi o que teve paroquiato mais longo, permanecendo na direção espiritual de Capivari de 1829 a 1836. Como exercia no lugar as funções de arruador, cargo para o qual fora de signado em 1825, ficou conhecido na crónica local pelo apelido de “Padre arruador”.
A Freguesia se caracterizou pela ampliação da parte comercial da povoação, com a abertura de novas ruas, já previstas no Auto de Arruamento, e a vinda, a Capivari, de vários lojistas e negociantes, principalmente de Porto Feliz. A rua do Pito Aceso encheu-se de prédios, e pelo seu traçado, paralelo ao rio, recebeu a enominação de rua da Praia.
Saturnino Pais Leite, Francisco Isidoro de Almeida, José de Ar ruda Leite Penteado, Constantino de Arruda Campos, Roque Teixeira, Jesuíno de Paula foram dos primeiros negociantes a se estabelecer em Capivari, nessa época.
Fazendeiros, vieram mais os portofelicenses Salvador Martins Bonilha, José Correa Leite e João Dias de Aguiar. Na rua da Praia, o prático Joaquim José Chaves instalara a clássica “Loja de Boticas”, na qual fazia ao mesmo tempo de médico
e farmacêutico.
De Itu, em outubro de 1831, chegou o Capitão Martins de Melo Taques, o qual adquiriu em Mombuca o sítio denominado “Ribeirão das Caveiras”!, que ele apelidou de “Bom Sucesso”, tendo igual mente edificado uma casa residencial na Freguesia, nas imediações do Pátio da Igreja.
O Padre Fabiano José Moreira de Camargo, de Sorocaba, a exemplo de Feijó, em Campinas, abria em Capivari, em fins de 1831, na travessa que se chamou depois rua da Paciência uma escola de primeiras letras, o primeiro estabelecimento de ensino primário que teve a povoação. O Padre Fabiano permaneceu quase um ano na regência deste curso primário, tendo ainda exercido na Freguesia, em 1832, os cargos de juiz Municipal e Delegado de Polícia.
Joaquim da Costa Garcia, Juiz Almotacé, designado em 1825, foi, sem dúvida alguma, um dos vultos mais proeminentes da fundação de Capivari. Morrendo às vésperas da elevação da Freguesia à categoria de Vila, sem deixar descendentes, o seu nome desapareceu das crônicas locais, ficando completamente esquecido, à exceção do seu sitio do Engenho Velho, cujo nome ainda permanece ligado ao bairro em que existiu, nos arredores da cidade.
Muito mais que Martin Taques, que para aqui veio em 1831, falecendo em 1834, tendo somente exercido por um ano a presidência da Câmara, Joaquim Garcia deu mais de 25 anos de inestimáveis serviços à causa capivariana, contribuindo para o desbravamento da ribanceira do rio, a formação da primeira rua, a criação da ca pela, a edificação da primeira igreja, o traçado do arruamento, a elevação a Freguesia, a fundação do município, que não chegou a ver concluída.
A CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO
A elevação das freguesias, naquele tempo (1832), à categoria de Vilas, importava na concessão, às mesmas, de ampla autonomia municipal, desmembrando-as dos municípios a que até então estiveram vinculadas.
Declarada Vila, por decreto do Governo do Império, a povoa ção passava a constituir sede de um novo município, com direito a Câmara Municipal própria, eleita por seus habitantes, bem como a juizado e cartório municipal e de órfãos, para complemento de sua vida jurídica, administrativa e política.
Coroando um pertinaz trabalho de vários anos, no qual se empenharam todos os trunfos políticos, desta e da Vila ituana, a 10 de julho de 1832 era sancionado o Decreto da Regência do Império que elevava Capivari à categoria de Vila e lhe conferia, assim, a ambicionada autonomia municipal.
Dizia o importante documento: “Artigo 1 – Ficam eretas em vilas as Freguesias de Santo Amaro,
do termo desta cidade; de São João de Capivari, do de Porto Feliz, de São Bento de Araraquara, do termo de Vila de Constituição; de Santa Isabel, do de Mogi das Cruzes; de Santo Antonio de Paraibu na, do de Parnaíba; de Bananal, do de Areias.
Artigo II – O Presidente em Conselho lhes marcará distritos, e dará todas as demais providências para a sua ereção, e para criação das autoridades, justiça e empregados próprios das Vilas. Artigo III – Ficam revogadas as disposições em contrário. José de Lima Coutinho, do Conselho do mesmo Imperador e Ministro e Secretário dos Negócios do Império assim o tenha entendido e o faça executar.
Palácio do Rio de Janeiro, 10 de julho de 1832, 11°. da Independência e do Império.
Francisco de Lima e Silva; José da Costa Carvalho; João Bráulio Muniz; José Lino Coutinho.”
OLIVEIRA, J.R. Guedes de. Capivari 180 anos, 1º Edição, São Paulo, 2012, p.57-71